Vai ser fácil atribuir ao coronavírus a crise económica que está em curso. Os propagandistas de serviço já lhe chamam "a crise do covid-19". Mas, como em química, é preciso distinguir os reagentes dos catalizadores. A emergência criada com a epidemia viral veio apenas precipitar o que já se desenhava e que os observadores mais atentos previam desde, pelo menos, há meses.
A deflagração da crise financeira mundial de 2008 foi prontamente atribuída à "ganância" dos especuladores. Agora, aponta-se o dedo ao imprevisto covid-19. Em ambos os casos, pressente-se o propósito de absolver o sistema capitalista e desse modo esconder as causas essenciais deste novo colapso.
Pesadelo das bolsas, charge de Enrico Bertuccioli
Uma queda abrupta mas previsível
As recentes quedas verticais das bolsas mostram que o inevitável está já a dar-se: a bolha financeira criada na última década estoira de forma fragorosa, o capital fictício movimentado na especulação esfuma-se ao ritmo de milhões por hora. A "recuperação" de que se falava ainda há meses revela-se inexistente. Toda a riqueza acumulada nas mãos de uns poucos, real ou virtual, mostra ser inteiramente inútil para responder à crise, tanto sanitária como económica.
As principais economias do mundo, para não dizer todas, sofrem recuos e entram em recessão. A Organização Internacional do Trabalho prevê um crescimento do desemprego entre 5 e 25 milhões, em cima dos quase 200 milhões existentes. A pobreza atingirá mais 9 milhões de trabalhadores. Grandes empresas (como entre nós a TAP, a Autoeuropa, a PSA ou a Continental) encerram ou abeiram-se da falência. Milhares de pequenas empresas fecham portas para não mais abrir.
Doze anos volvidos, nenhum dos males de 2008 foi resolvido e a queda, hoje, promete ser ainda mais violenta.
Uma crise dentro da crise
Na verdade, não se trata de uma segunda crise, esta que se atribui ao vírus. Trata-se antes de uma recaída da crise aberta em 2008. Diante do colapso dos negócios, a "solução" consistiu então em tentar cobrir a dívida gigantesca das instituições financeiras enchendo-lhes os cofres com mais dinheiro fresco. A "solução" para a dívida foi aumentar a dívida - e fazê-la pagar pelo trabalho, sob medidas de austeridade.
Courtesy of Mudar de vida
Source: jornalmudardevida.net
Publication date of original article: 24/03/2020