03/12/2025 strategic-culture.su  18min 🇸🇹 #297958

O perigo da amnésia histórica e o rearmamento da Alemanha

Hugo Dionísio

No final, tudo terá de acabar como antes... reescrevendo-se a história, absolvendo os criminosos e prendendo as vítimas!

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Existem momentos na História em que a impressão de déjà-vu é tão forte que nos vem ao nariz o cheiro a naftalina das fardas guardadas e das rações de combate apodrecidas, ambas aguardando melhores dias em que a memória não subsista ao tempo ou que, subsistindo, o esquecimento provocado seja tão avassalador que quem lembra, mais arrisca a parecer louco do que sábio. Quem lembra mais do que a actualidade evidente é regularmente tratado como mentiroso.

Uns dizem que a história se repete, outros dizem que não. Talvez tenham ambos razão, uma vez que não se repete tal e qual da mesma forma, mas as variáveis fundamentais da história humana comportam-se de forma cíclica e, nesse sentido, operam uma espécie de repetição de contextos materiais, que resultam do facto de, em cada contexto social, em cada época histórica, serem iguais, as mesmas, repetirem-se as constituintes fundamentais do movimento, apenas incorporando diferentes roupagens. Um mesmo corpo, roupagens diferentes.

É por isso mesmo que esta época nos parece tanto uma outra de há 100 anos. As diferenças são mais do que muitas, pois muito mudou - e de lá para cá melhorou -, mas, volvidos 100 anos e falhado o salto civilizacional pretendido por quem lutava pelo derrube do capitalismo no ocidente, somos confrontados, de novo e repetidamente, com o mesmo tipo de problemas.

100 anos depois, os mesmos actores, os mesmos traidores

Uma Alemanha em crise profunda, a braços com os resultados de uma guerra que lhe retirou as vantagens competitivas, que a sua proximidade à Federação Russa - e antes à URSS - pressupunham, tais como a energia barata, que tudo move; um sistema partidário centralizado, centralizador e monolítico, em profunda crise ideológica e, por isso, incapaz de propor um projecto de desenvolvimento que não passe por mais do mesmo; uma social democracia (SPD) historicamente derrotada, arrastada para o situacionismo conservador e que novamente pavimenta o caminho para o ressurgimento do reaccionarismo, chauvinismo e supremacismo, tal como o havia feito na República de Weimar; todos os actores se alinham e repetem com grande precisão cronológica.

Tal como ontem, também estes mesmos actores continuam incapazes de rejeitar uma realidade que, como há mais de um século, também se desloca a velocidade hipersónica em direcção a uma qualquer espécie de fascismo ou ditadura. Tudo isso era possível de identificar na sociedade alemã do início do século XX, como o é hoje. Também hoje se reprimem, contêm e cancelam movimentos progressistas, o que relembra o tempo em que o SPD optou por combater o movimento revolucionário e, pela mão de Friedrich Ebert, então secretário geral do partido, foi ordenar a repressão do levantamento revolucionário, recorrendo ao Exército e aos Freikorps (força paramilitar de extrema direita e segundo muitos percursora das SS, como os Azov na Ucrânia actual), os quais  prenderam, torturaram e assassinaram Rosa Luxemburg, a primeira secretária-geral do Partido Comunista da Alemanha e Karl Liebknecht (ambos da Liga Espartaquista).

Ontem e hoje, o SPD, bem como as forças que se designam "moderadas", eufemismo para "cobardes ou mais ou menos obscuramente comprometidas com interesses de classe opostos aos dos interesses da maioria", tinham uma escolha a fazer: ou inverter o rumo, o que obriga a uma variação, nalguns casos a 180 graus, nas políticas fundamentais; ou manter o rumo de degradação, depauperação e desmantelamento do sistema social nascido do final da segunda guerra e resultante da relação de forças que então se estabelecia. Ao invés de optar pela alteração da relação de forças e unir-se aos que tentam inverter o rumo de destruição do estado social e, com ele, do que resta da democracia alemã, o SPD, uma vez mais, volvidos 100 anos, opta por unir-se ao que designa de "centro", um "centro" cada vez mais descentrado e mais chegado à direita mais reaccionária. Dizer que se defende a democracia quando se contribui para matá-la já não chega.

Tal comportamento, na Alemanha actual, não deixará de trazer profundas e gravosas consequências. A paz, o discurso de pacifista, volta a constituir o elemento divisivo fundamental entre os que lutam pelo desenvolvimento das condições de vida, pelo progresso, pela democracia e pela liberdade e os que agem para salvar os interesses instalados da oligarquia e aristocracia. Tal como a Alemanha nazi-fascista via na guerra a sua salvação enquanto nação, resultado de uma lógica de crescimento em que os grandes grupos económicos apostavam na economia de guerra e na industria do armamento, para salvarem o seu sistema de acumulação, também hoje, como há 100 anos, os principais grupos económicos alemães estão alinhados com o rearmamento alemão, com a reconversão industrial para uma industria de guerra, com o fim do estado social, libertando fundos para o investimento tecnológico numa industria de baixo valor acrescentado. Há 100 anos a social-democracia traiu o povo e os trabalhadores alemães, hoje, o SPD confirma historicamente essa traição, para quem tinha dúvidas da primeira, e faz mais: em virtude da existência de uma União Europeia, o SPD confere eficácia internacional à sua cobardia.

A indústria de armamento é a salvação da oligarquia

Não admira que a oligarquia alemã, francesa, italiana, espanhola queira esse caminho. Ao contrário de um automóvel exportado, cuja qualidade compete com o que de melhor se faz no mundo, no caso do armamento é simples: o privado faz, caro ou barato - especialmente bem caro - e o estado compra. Assim, a reconversão industrial que se está a operar em solo europeu e, em especial na Alemanha, não constitui apenas a fuga fácil, constitui também uma inversão da direcção dos tentáculos da oligarquia: se os tentáculos já não conseguem captar riqueza no exterior, então viram-se para dentro e pilha-se o próprio povo europeu, alemão. Como o fazem com o norte-americano.

O rearmamento da Alemanha é, acima de tudo, uma concessão à oligarquia, uma capitulação aos seus interesses. Mas fosse o agravamento da exploração de quem trabalha a única das contingências resultantes deste processo. Ao contrário, tal como com a Alemanha nazi-fascista, para que se rearme, para que se reconverta, é preciso o medo. Para haver medo, tem de haver guerra. Na guerra, o trabalhador já não perde apenas um pouco da sua vida todos os dias. Ao contrário do trabalho, com a guerra, o trabalhador perde os seus filhos, perde-se a si próprio.

Os números não deixam mentir sobre a real situação da Alemanha:  segundo o Escritório Federal de Estatística a produção de todo o sector industrial caiu para 4,3% em Agosto, em relação a Julho de 2025, e a produção industrial caiu ainda mais acentuadamente, em 5,6%. O declínio industrial está directamente relacionado, segundo o boletim, com a queda no sector automóvel (6,4%), mas também no informático (11,5%), farmacêutico (13,5%). As encomendas para bens de consumo caíram 10,3% no mesmo período. DE acordo com a Allianz Trade e a BDI Industrial Association, as 25.000 insolvências que se esperam em 2025 tornam esta crise pior do que a de 2008.

Sucedem-se os encerramentos de empresas de componentes e embora os maiores países europeus apresentem declínios na produção industrial, especialmente a partir do início da "operação militar especial", a Alemanha é o pior, pois, considerando 2014 - lembram-se do Euromaidan e do início das sanções à Rússia -, a sua produção industrial está em 95% do que era nesse ano, ainda sob os danos da crise económica de 2008. É razão para perguntar, uma vez mais, onde anda, ou andou, esta gente com a cabeça para incumprir Minsk I e II, boicotar Istambul I e II, decidir pelo fim definitivo da energia barata russa e, ainda por cima, confiscar empresas de componentes electrónicos à China, como sucedeu com a Nexperia, que levou à paragem de fábricas na Alemanha?

A  contracção industrial da Alemanha, com especial aceleração a partir de Fevereiro de 2022, demonstra que tinham razão todos os que disseram que esta era uma guerra dos EUA contra a Alemanha, por extensão, contra a Europa, e que, deixando-se arrastar para esta situação, a EU não apenas destruiria a sua economia, como perderia a guerra, a corrida tecnológica, deixando caminho livre para EUA e China. É profusa a literatura que previa tudo o que está a acontecer, já ao tempo do golpe de Maidan, a que depois o establishment baptizou de "revolução". Mas isso são contas de outro rosário. O facto é que as "lideranças" europeias não apenas nos deixaram arrastar para esta situação, como continuam a acelerá-la. A crise é tão grande que já cogitam destroçar todo o sistema financeiro europeu, confiscando as reservas russas na europa, apenas para terem mais um balão de oxigénio para continuarem a enviar jovens ucranianos para uma morte certa, a que chamam de "frente congelada".

Merz: o CEO ao serviço dos grandes grupos económicos de EUA e Alemanha

É assim neste quadro de desespero profundo que Merz não escondeu ao que vinha, como já pouco haviam escondido Pistorius, Baerbock ou Sholz, cujo discurso belicista já havia enveredado por assunções que eram impensáveis há muito pouco tempo. O que mudou e quando mudou, ninguém sabe explicar muito bem, mas todos podemos claramente identificar que, algures durante as primeiras duas dezenas de anos deste século XXI, algo sucedeu para que a elite financeira, económica, oligárquica, ocidental, se tivesse assustado e, perante o medo de perder o ponto de apoio, tenha feito embarcar todo o ocidente numa deriva militarista, a qual, sendo característica do modelo de governação norte americano, mesmo assim, encontrava na EU alguns laivos de resistência.

Merz procura assim a fuga para a frente, uma fuga que não apenas responda à profunda crise alemã, caracterizada por um impacto profundo dos preços da energia (em Fevereiro de 2022 a energia deixa de dar uma contribuição positiva para o crescimento, para  passar a arrastar o PIB para o fundo, da perda de competitividade económica a nível mundial, decorrente do aumento dos custos com factores de produção como a energia e o consequente enfraquecimento do consumo interno, já visível a partir de meados de 2022. A única coisa que ainda impulsiona e constitui uma vantagem para o PIB alemão é a cadeia de abastecimento. Ao ritmo a que vai o "De-risking" da China, vamos ver quanto tempo dura o efeito positivo deste driver.

O interessante, trágico e profundamente esclarecedor facto que se esconde por detrás deste processo de rearmamento alemão é que o mesmo é resultado directo da crise de desespero em que se encontram os próprios Estados Unidos. Estrategicamente pensando e considerando o desconforto - para não dizer mais - causado pela existência de uma Federação Russa com os contornos que conhecemos, Washington teria todo o interesse em manter a Alemanha debaixo do seu chapéu militar, usando a dependência militar como garante do comportamento adequado do estado germânico e o seu alinhamento político-militar. Através dessa dependência, os EUA não apenas controlam toda a EU, como contêm a própria França, volta e meia governada por gente ciosa da sua soberania e autonomia estratégica.

Por outro lado, na ausência de uma URSS e tendo expulsado a Federação Russa de toda e qualquer governação europeia de segurança, restariam os EUA como sendo a nação responsável por garantir ao mundo - pelo menos aquele mundo que mantém memória histórica - que a Alemanha não voltaria a deter condições para causar uma outra guerra mundial ou em larga escala. A própria unificação das duas Alemanhas deu-se segundo termos em que, dessa unificação, não resultariam problemas de segurança para a Europa. A Alemanha unificada manter-se-ia um país pacífico e profundamente comprometido com a construção europeia, ao tempo, ainda vendida como projecto de paz, prosperidade e desenvolvimento.

O declínio relativo dos EUA torna atractivo o rearmamento da Alemanha

O problema é que a degradação da hegemonia norte americana, como causa-consequência do agravamento dos défices comerciais e orçamentais, o surgimento de modos de pagamento que desafiam o sistema baseado no dólar, o crescimento dos BRICS e a perda de influência económica, social e política no sul global, obriga os EUA a intensificar ainda mais a exploração dos sectores económicos em que baseiam tal hegemonia: o sector militar-industrial; a energia, em especial petróleo e gás; a economia digital e a Inteligência Artificial. Nestes termos, os EUA foram obrigados a fazer da Alemanha um comprador de gás e petróleo ávido, nem que, para tal, a economia germânica tivesse de se afundar.

Para fazer da Alemanha tal comprador, seria necessário acabar com os fornecimentos russos, fazendo desse país um inimigo vital, estratégico e inevitável. Só através de tal narrativa seria possível ao povo alemão consentir na troca de gás e petróleo baratos e enveredar pela mais dispendiosa oferta norte-americana. Bruxelas garantiu que a transição não se faria através de uma troca estabelecida entre gás russo e opções como a energia nuclear e renováveis. Ao invés, a Alemanha destrói e desactiva centrais nucleares perfeitamente funcionais. A coisa correu tão bem que os EUA destruíram inclusive uma infra-estrutura internacional alemã - o Nord Stream - e nada se passou, garantindo ainda junto da UE que, através dos intermináveis pacotes de sanções, jamais o estado alemão voltaria a ceder à tentação da energia barata.

Esta troca pelos hidrocarbonetos norte-americanos, fundada na ameaça russa, uns dias imediatamente, noutros apenas a médio prazo, conduziu ao surgimento de uma narrativa belicista, securitária, que criou o espaço para que à Alemanha (e ao Japão) fosse permitido o rearmamento sem limites que não sejam os que se colocam no quadro da NATO. Neste sentido, os EUA, que antes haviam jogado este jogo com pinças, acabaram por jogá-lo a alta velocidade.

Se bem que a defesa estratégica da Europa atlântica continue entregue à NATO e aos EUA, com excepção de Inglaterra e França, únicos detentores de armamento estratégico como armas nucleares de longo alcance, a verdade é que os EUA arriscam aqui uma equação que a história já provou perigosa - inclusive aos próprios. Se as permissões concedidas à Alemanha, em sede de rearmamento, conduzem a um vasto potencial de compras aos EUA, por outro lado, a aquisição de força militar pelo estado Alemão pode servir como catalisador de acelerador de pretensões nacionalistas e imperialistas, e mesmo que enquadradas num suposto "europeísmo", tais pretensões podem passar pelo domínio férreo da própria EU, com pretensões de autonomia e independência em relação aos próprios EUA.

Parece-me que Washington, e toda a estrutura de soft-power à sua disposição, tem a confiança de conseguir controlar tal ímpeto, contê-lo, condicioná-lo, mitigá-lo e até anulá-lo. Mas não será isto mesmo que terá pensado quem apoiou os nazi-fascistas? Não serão os EUA especialistas em criar monstros que, mais tarde, têm de destruir? É verdade, mas também é verdade que os EUA ganham sempre nesse processo. Ganham quando criam o monstro e ganham quando o destroem, sendo precisamente essa vantagem que os mantém no jogo.

Apagar a memória histórica e afirmar a continuidade da identidade germânica

Como dizia Heinz Abosch, no seu livro "Para onde vai a Alemanha", ainda nos anos 60 do século passado, a respeito das intenções, em especial, dos políticos ligados à CDU "os dirigentes da República Federal encararam o futuro segundo conceitos herdados do passado", "concebera-se o futuro como um passo atrás", graças à operação mágica de apagamento da segunda guerra mundial e da sua memória "convidava-se a história a recomeçar do zero", saltado sobre as páginas mais incómodas, mas mantendo uma lógica de continuidade.

Quando observamos o fracasso de todo o processo de desnazificação - que só chegou praticamente a quadros subalternos -, de que Abosch também falava, o posterior e actual branqueamento do nazi-fascismo, seja pela sua comparação ao comunismo e negação do papel da URSS na derrota da Alemanha nazi, seja pelo revisionismo histórico operado pela EU e Von Der Leyen quando elogia forças nazis como os Homens da Floresta na Lituânia, seja pela inversão de valores e acontecimentos, tornando a maior vítima - a Rússia e a URSS - num agressor, cuja violência foi contida e combatida por genocidas como a 14ª Divisão da Galícia, que praticou o massacre de Volyn na Polónia, o que se visa operar é precisamente essa continuidade histórica, em que o nazi-fascismo nada mais foi do que um mero percalço, em que a europa, foi, ao invés, agredida pelas forças de Joseph Staline. O último discurso do estado da União de Von Der Leyen não engana quanto a esta matéria.

Sob uma situação económica que é próxima do horrendo e em que a insatisfação dos alemães com o governo de Merz atingiu um recorde de desaprovação na casa dos 62% e apenas 28% estão satisfeitos  com suas acções em que as empresas continuam a cortar a produção, tentando passar da produção e automóveis  para os tanques, uma vez mais sob o activo apoio do SPD, é assim que o rearmamento dos causadores da segunda guerra mundial se torna plausível. Faz-se de conta que as guerras mundiais foram um acaso, especialmente a segunda. Para apagar essa história, conta-se com uma ajudinha especial: a do sionismo. A Alemanha deixa passar o genocídio em Gaza, jura amor eterno a Israel e o sionismo deixa passar a sensação de perigo que o rearmamento de uma nação não desnazificada lhe poderia causar.

Afinal, o maior país da UE e uma das maiores economias mundiais ainda tem enorme capacidade de endividamento, abrindo a porta a compras trilionárias de F35, Patriot e outras armas que a guerra em solo ucraniano tem, de forma contínua, demonstrado estarem ultrapassadas, mas que constituem um importante bónus comercial, cuja dimensão é apta a perdoar todos os crimes passados, presentes e futuros. De Israel também não deixarão de vir a sua quota parte de encomendas. Por outro lado, as fábricas alemãs também não deixarão de enviar para a Palestina a jóia a pagar por este fechar de olhos a algo que tanto vale para o povo judeu: a memória histórica.

Trilhões de Euros para o complexo militar-industrial

Um aumento do orçamento da defesa para os 82,7 mil milhões de euros em 2026, representando um aumento de 32,5% em relação ao ano anterior (62,43 mil milhões de euros); a criação de um Fundo Especial para as Forças Armadas em cerca de 25,5 mil milhões de euros provenientes do Fundo Especial de 100 mil milhões de euros (criado após a invasão russa da Ucrânia em 2022) para as Forças Armadas (Bundeswehr); a adesão à meta da NATO que eleva a quota de contribuição da Alemanha para 2,8% do PIB em 2026, com o objectivo de alcançar 3,5% até 2029; uma alteração Constitucional (Flexibilização do Travão da Dívida para permitir este aumento massivo de gastos em Defesa; o reforço de Pessoal com a criação inicial de 10.000 novos postos militares e 2.000 civis em 2026; a criação de um total de 20.000 postos militares para soldados voluntários com contrato temporário com a entrada em vigor de um novo projeto de lei sobre o serviço militar; e o investimento em equipamento e infraestrutura; Merz, a sua CDU e o alinhado SPD, garantem um bónus enorme à industria de armamento e ajudarão a apaziguar as almas sionistas mais preocupadas.

Assim, o regresso da espada de Dâmocles europeia, que constitui este rearmamento alemão, é um espectáculo de cinismo e de amnésia histórica, muito difícil de encarar. Os que mais sofreram com o Holocausto, afundam-se em silêncio perante o rearmamento dos descendentes dos seus algozes, tudo permitindo, sem escrutinar, confirmar, garantir.

Uma espécie de Alzheimer colectivo, a uns pago com intermináveis remessas de apoios financeiros e armamento, a outros provocado por doses infindáveis de Chat GPT, muita comunicação social mainstream e muitos projectos alumni para garantir que, mesmo os mais instruídos, afinal, não passam de homens duplicados. A Rheinmetal valorizou 1.000% e todos regozijaram que nem loucos. Merz disse "a Alemanha voltou", mas todos os que ainda retêm alguma memória histórica não deixaram de se questionar "voltou de onde?" Uns persistiram, outras permaneceram calados, quando bastaria olharem mais afincadamente para o passado familiar dos principais dirigentes alemães para se questionarem sobre a profundidade efectiva do processo de desnazificação.

O Ministro da Defesa, Boris Pistorius, o homem que diz que "apoiaremos a Ucrânia doa por onde doer ao povo alemão", defensor acérrimo do upgrade militar, anuncia também o retorno do serviço militar obrigatório, caso os voluntários sejam poucos para o novo "desafio". Ouvi-lo falar sobre a Rússia faz lembrar os discursos de certas figuras históricas de muito má memória. Dizer que ele é do SPD, o partido que foi o de Marx e de Rosa Luxemburgo, apenas confirma aquilo em que se tornou. Espero que daqui a 100 anos não volte a humanidade a ser confrontada com um "a culpa é dos comunistas" outra vez!

Não é preciso ser-se muito inteligente para perceber que a Alemanha tem tudo para se transformar numa dispendiosa e gastadora máquina de guerra, num magnífico fornecedor de morte e destruição: dinheiro para gastar, capital acumulado para investir, crédito quase ilimitado em Wallstreet, Frankfurt e na City de Londres, mão de obra qualificada, capacidade industrial instalada, população assustada pelos invasores migrantes, nada lhe falta para iniciar a terceira guerra mundial. Os EUA, esses, esperam passar incólumes como em todas as outras situações. Esperam, também, depois, anunciar-se vencedores, reescrevendo a história. No final do caos, esperam apanhar os cacos e reeditar o sucesso hegemónico do século passado. Quem não conseguir ver isto, é melhor começar a acordar antes que os Orechnik comecem a chover no telhado.

O Estado Social como custo desnecessário

Alguém tem de pagar isto tudo, e seremos todos nós e de muitas formas. A retórica já começou. Merz já  avisou que o Estado Social "não pode mais ser financiado com o que produzimos". O que Merz não diz é que o desvio de fundos para a guerra torna esse financiamento ainda menos possível e difícil. Mas não existe problema algum, pois a "defesa" é agora o "interesse estratégico". Uma das suas ministras vem dizer que os alemães trabalham pouco e têm de se reformar mais tarde.

Tais afirmações não deixam enganar! Estamos perante um esmagador processo de transferência de riqueza do trabalho para o capital. Após a guerra ao terror, a crise subprime, o Covid, a transição energética, agora junta-se-lhe mais uma das intermináveis crises made in EU. E dizer que resultam sempre da mesma forma para os povos europeus, é também desnecessário. O agravamento das nossas condições de vida confirma a verdade última que se esconde por detrás disto tudo: os trabalhadores estão a financiar com sacrifício a sua própria morte. Financiam por via dos seus impostos, da queda dos salários, da degradação dos serviços públicos, do agravamento da repressão e da perseguição ao pensamento crítico, de muitas e variadas formas.

O que a EU está a fazer aos povos europeus é muito simples: condena-os à morte, dá-lhes uma pá e manda-os cavar a sua própria cova, quando já haviam comprado a pá, o terreno e feito o caixão. Todos os intermináveis fundos que são colocados à disposição da oligarquia e do grande capital, resultando num agravamento brutal da inflação, que todos sentimos da habitação à alimentação, serão pagos com o nosso trabalho, serão garantidos pelo nosso sangue, suor e lágrimas.

Nada que os preocupe... No final, tudo terá de acabar como antes... reescrevendo-se a história, absolvendo os criminosos e prendendo as vítimas!

Cabe-nos impedi-lo!

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